sexta-feira, abril 25, 2008

25 de Abril, SEMPRE!

"25 de Abril" - pintura da artista plástica Fernanda Marinho

Ontem, deixei um comentário no espaço da Isabel Filipe. Com a amizade de sempre, a Isabel colocou esse texto no corpo do post.
Essas palavras sairam-me com toda a espontaneidade.
Ao relê-las hoje, não altero uma vírgula, pois traduzem os meus sentimentos acerca desta data. Que foram, aliás, confirmados, à noite, quando vi na RTP, os "Cantores de Abril":
"O meu 25, também foi, Isabel,
a 26. Eu estava em Timor, muito longe dos cravos.
Mas foi com uma emoção indizível que soube que a "liberdade estava a passar por aqui" (para utilizar as palavras do Sérgio Godinho).
Mas também vivi esses momentos, com alguma sensação de frustração. Pois desde muito jovem acordei para a luta contra um regime caduco e opressor. Embora muito modestamente (houve muita outra gente que sacrificou a sua liberdade e mesmo a sua vida)contribui, de algum modo, para que esse regime se desmoronasse. E então, estar tão longe desse sonho tantos anos adiado, e de cuja concretização já descria, não deixou de me causar um sentimento de perda. De algo que eu sabia ser histórico e irrepetível.
Hoje, passados tantos anos, é com algum desânimo que vejo o Abril que ainda está por cumprir.
E é com mágoa que vejo, tantos companheiros e companheiras, que, comigo, lutaram para que Abril viesse, terem , de certa maneira, traído esses ideais que foram a nossa bandeira, para viverem hoje acomodados, muitos deles usufruindo as benesses de uma carreira política que os recompensou de alguns sacrifícios de outros tempos.
Resta-me a mim, o singelo e insignificante orgulho de não ter abandonado esses ideais, de me ter mantido coerente, de não me ter vendido "por um prato de lentilhas"."




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quarta-feira, abril 23, 2008

O que é que fazes agora?

Depois de me ter aposentado, quando me deparo com alguém que me conhece e sabe do meu estado laboral, não deixa de me perguntar:

-E agora, o que é que fazes?

Confesso que tenho cada vez mais dificuldade em responder.
Porque dizer que continuo a levantar-me cedo, que, todos os dias faço quase uma hora de marcha, que leio calmamente os jornais ou um livro, que ouço música, que, à tarde, passo algumas horas na internet, a actualizar o Peciscas, a visitar blogs amigos, a ler e escrever e-mails, a conversar com gente amiga, com o Google Talk ou o MSN não convence ninguém. De facto, depois de enunciar todas estas actividades, o comentário é, normalmente:

-Quer dizer, não fazes nada!

E logo a seguir, vem o conselho:
-Tem cuidado. Tens de arranjar alguma coisa para fazer, porque a inactividade é perigosa!
É que as pessoas parece que interiorizaram que só continua activo quem, de algum modo, desempenha uma actividade profissional, remunerada ou não. Ou seja, no meu caso, continuar a dar umas aulitas, uma explicações, ou coisa do género.
O poder usufruir do resto dos meus dias, de um modo mais livre e gostoso (este é um termo brasileiro que aprecio), parece que não é lá muito bem visto.
E ainda causa muita confusão, a muita gente, esta coisa de andar na internet, de aqui construir amizades ( a que chamam virtuais, mas que, se calhar, são tão reais como as outras - e ainda vou ter de falar nisso um destes dias), como se isto fosse um pecado, um vício, uma limitação de relacionamento.
Mas, na fase da vida a que cheguei, já não dou demasiada importância a estas apreciações críticas que me vão aprecendo.
O que quero, verdadeiramente, e o mais possível, é sentir-me bem naquilo que faço, respeitando o que os outros dizem, mas seguindo o meu próprio caminho.
Mesmo sem fazer nada...

terça-feira, abril 22, 2008

Até para ser vigarista...

Quem tenha, nos últimos dias, lido jornais ou ouvido as notícias na televisão, soube do caso daquele sujeito que apareceu como salvador do quase falido Boavista (para quem não saiba, um dos mais antigos clubes de futebol de Portugal), arruinado por anos de gestão suicida (se calhar, ainda hei-de voltar ao assunto).
O homem prometia largos milhões de euros que iriam resolver todos os problemas do clube.
Mas, é claro, tudo era uma trapaça, nem sequer muito bem urdida e que acabou com o indivíduo na Polícia Judiciária.
Mas há, nesta história, um pormenor que não deixa de ser delicioso. De facto, um dos aspectos que ajudou a concluir que se estava em presença de uma falcatrua, foi, o terem detectado, num suposto documento de garantia bancária, a palavra "balor", quer dizer, valor dito e escrito à moda cá do Porto.
Eis mais uma prova de que, efectivamente, a língua portuguesa é mesmo traiçoeira...
E, então, nunca deixando de lado a costela pedagógica que tenho agarrada à pele, após quase três décadas de profissão docente, aqui fica uma sugestão aos colegas que ainda estão no activo. Quando tiverem pela frente aqueles alunos que, como dizia o Pessoa, acham que "ler é uma maçada, estudar é nada", podem contar-lhes esta história verídica, rematando com:
-Estão a ver como até para ser vigarista, é preciso aprender umas coisinhas?!

segunda-feira, abril 21, 2008

O Ti Mariano

Chegava sempre, pontualmente ao fim da tarde, ao bairro de Évora onde eu morava.
Empurrava um velho carrinho, com duas rodas de bicicleta, carregado daquelas iguarias que apetecíamos : tremoços, amendoins, pevides, rebuçados, bolos e outras guloseimas. E “padinhas”.
Apregoava:
-Olá a bela padinha boa!
Se tínhamos um ou dois tostões, só podíamos comprar tremoços, rebuçados ou pevides.
Cinco tostões, davam à certa, para a tal padinha, um bolo seco, que, ainda assim, era devorado com gula.
Mas, se os fundos eram um pouco mais altos, quer dizer, se tínhamos disponível a larga fortuna de um escudo e vinte centavos, então, supremo requinte, poderíamos chegar a um pastel. Que tínhamos direito a tirar da caixa com a respectiva pinça.
Um dia, estava doente e, ouvindo o pregão do Ti Mariano, não pude ir à rua, cumprir o ritual da compra. Pedi à minha mãe que fosse lá abaixo e pedisse ao velhote, dois tostões de tremoços.
Mas, como a minha mãe estava com “roupa de andar por casa” teve vergonha de se deslocar até ao outro lado da rua onde o Ti Mariano tinha parado o carro. E pediu-lhe, da porta, os tais tremoços.
Então, para surpresa sua, viu o homem, tirar um par de muletas que trazia presas aos varais do carro e, com grande dificuldade, lá se chegou à porta onde a minha mãe o esperava, bastante pesarosa por ter provocado aquele sacrifício ao simpático velhote.
Quando a minha mãe me relatou a cena, fiquei igualmente aborrecido por ter causado transtorno ao Ti Mariano, que, como sempre tinha visto caminhar agarrado ao carrinho, não imaginava ser portador de qualquer incapacidade física.
E, desde esse dia, passei a respeitar de outra forma, aquele pregão que chegava, pontualmente, ao fim do dia:
-Olha a bela padinha boa!