A segunda das experiências que vos quero contar relacionada com aqueles telefonemas que vamos recebendo, anunciando ofertas mirabolantes, tem a ver com um contacto em que me diziam ser um dos privilegiados que iria ter direito a uma estada de uma semana, no Algarve, para um casal.
Fui logo dizendo que não estava interessado em comprar fosse o que fosse e que não acreditava que houvesse alguma empresa que desse de mão beijada semanas de férias sem querer primeiro vender um produto.
A menina do telemarkting argumentou que não tinha a obrigação de fazer qualquer aquisição e que nunca sairia de lá tem o tal vale-oferta, tendo apenas que presenciar uma pequena exposição de produtos da empresa.
Pela segunda vez, resolvi vivenciar uma experiência de que já tinha ouvido relatos, designadamente na ProTeste.
O local onde a coisa funcionava era uma moradia, com bom aspecto,perto da Boavista, aqui no Porto, onde fomos recebidos cordialmente e encaminhados para uma pequena sala onde um jovem vendedor nos iria atender.
A primeira parte da conversa durou cerca de meia hora e apenas se referia a trivialidades e rodeios, que nada tinham a ver com o assunto que ali nos trazia.
Findo este preâmbulo, fui avisando o vendedor de que não iria adquirir nada e que iria perder o seu tempo, se imaginava que nos iria convencer do contrário.
Depois,e mesmo assim, o jovem foi falando, durante mais cerca de uma hora, sobre diversos destinos de viagens, enquanto ia enchendo folhas de papel, de esquemas, números, desenhos.
Finda esta parte, começou a desvendar o objectivo da arenga. Queria popor-nos a aquisição de um cartão, que nos permitiria adquirir pacotes de férias a preços extremamente aliciantes.O cartão custaria cerca de 6000 euros.
Repeti que não compraria nada e que estavam a perder tempo comigo, pelo que me deveriam entregar o tal vale e acabarem com a sessão.
O jovem disse que iria já terminar, mas que tinha uma proposta que, excepcionalmente, sublinhava, me iria apresentar. Tratava-se de adquirir o cartão em suaves prestações.
E, novamente, para empatar mais tempo, pois estava à vista que a estratégia era minar a resistência do potencial cliente através do cansaço, foi enchendo mais duas folhas com novos cálculos.
Continuei a repetir que compreendia que ele estava a fazer o seu trabalho, mas que não me conseguiria convencer a comprar o tal cartão.
Já tinham decorrido duas hora e meia, quando o jovem esgotou os argumentos e ligou para o "chefe de vendas" para que ele me fizesse chegar o prémio que me tinha sido prometido.
Decorreram mais cerca de vinte minutos, preenchidos por mais alguma conversa "de chacha". Até que lá chegou o tal chefe, desculpando-se pois tinha estado a fechar um contrato com outro casal.
E, após mais alguns minutos de "paleio", pegou, ele próprio, de uma folha de papel e disse algo como, "não sei se o meu colega já lhe tinha referido o preço do cartão". E , então, atirou para cima da mesa uma verba de cerca de três mil euros, para que eu julgasse que ele se tinha enganado e que eu iria colher um preço consideravelmente mais baixo.
Continuando a afirmar a minha irredutibilidade quanto à aquisição do produto, o tal chefe, abrindo-se num largo e generoso sorriso, disse que iria perder a cabeça e fazer algo que não deveria fazer.
E escreveu, numa outra folha, com algarismos garrafais , o preço final: pouco mais de dois mil euros.
E rematou:- claro que, perante isto...!
Nem perante aquilo.
Já com ar imapciente disse-lhe que queria o tal vale e que iria bater em retirada.
E aí, tudo mudou. A amabilidade deu lugar à secura, à carranca fechada.
Mas, passados cerca de mais quinze minutos, agora do mais absoluto silêncio, lá veio o tal vale, assinado e carimbado, onde me era concedida estada de uma semana num hotel algarvio. É claro que, as viagens e os pequenos-almoços, seriam à minha conta.
Ainda conservo esse papel, como recordação da pachorra com que aguentei as quatro horas que durou o assédio, já que nunca pretendi usufruir da oferta.
E fiquei a compreender melhor como é possível que pessoas, que até não são tolas de todo, por vezes são enroladas com estas tenebrosas técnicas de venda. São vencidas pelo cansaço e, às tantas, assinam seja o que for, só para acabarem com aquele martírio.
De modo que, agora, quando recebo um desses telefonemas aliciantes, respondo, invariavelmente, interropendo o discurso da menina:
- Muito obrigado, mas diga lá ao seu patrão que já conheço essas técnicas há muito tempo, pois até já tive uma empresa do género.
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