Normalmente, resisto à tentação de peciscar a quente sobre assuntos que a comunicação social nos vai trazendo, de forma mais ou menos dramatizada.
Prefiro deixar passar alguns dias, procurar recolher mais dados e decidir se vale mesmo a pena falar de coisas sobre as quais já tanta gente falou.
Uma dessas notícias, e sobre a qual tenho mesmo de falar, revelou-nos um abjecto crime de que foi vítima um indivíduo, em Borralheira de Orjais, perto da Covilhã, que foi atado a uma grade, encharcado em álcool e deixado à sua sorte, que não foi nenhuma. Morreu asfixiado, enregelado, intoxicado.
Passado um dia ou dois, o JN foi fazer uma reportagem à aldeia.
Aí vimos os pais do assassinado, a viver numa casa degradada, com parcos rendimentos e com uma resignada conformação perante o desaparecimento do filho, que era a trave essencial da sua sobrevivência.
Pelos vistos, a vítima era pessoa que facilmente cedia à tentação da bebida, e nessas circunstâncias, tornava-se uma espécie de bobo da aldeia.
Mas aquilo que mais me gelou na reportagem, foi a constatação do facto de, nesta terra, grande parte da população considerar que os rapazolas, também eles com "copos a mais", que cometeram o hediondo acto, "apenas" deveriam ter mais cuidado e não deixarem o homem só, depois de acabada a "brincadeira".
Ou seja, esses cidadãos consideravam perfeitamente normal, que se dispusesse do corpo de um homem, para se divertirem a seu belo prazer. Isso, em si, "não teria nada de mal". Eles próprios já tinham assistido, com gozo, a cenas similares.
Há uns anos, veio também nos jornais, a história de um aprendiz de mecânico a quem colegas mais velhos da oficina, injectaram ar nos intestinos com uma bomba de encher pneus, causando-lhe lesões gravíssimas, não sei mesmo se fatais.
Também "por brincadeira".
E muitos mais casos análogos se poderiam citar.
É perante este tipo de reacções e de mentalidades que eu tenho de considerar que essa história de se dizer que somos um "povo de brandos costumes" é uma ficção.
Somos, provavelmente, em grande medida, um povo que, muitas vezes, se acobarda e se conforma e por isso "deixa andar".
Mas basta que os contextos criem a oportunidade, que o grupo se empolgue, que a bebida liberte, e lá teremos um bando de compatriotas a humilhar, a achincalhar, a gargalhar boçalmente, a descarregar frustrações acumuladas, perante os mais fracos, os mais indefesos, os mais vulneráveis.
Brandos costumes?
Uma ova!
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