terça-feira, outubro 16, 2007


No início dos anos setenta, Timor ainda não era auto-suficiente em termos alimentares. Como o não é hoje. Como nunca o foi.
No tempo em que lá vivi, os alimentos, tanto para a população local como, muito principalmente para a tropa e para os portugueses, vinham da Austrália (na sua maioria em conservas) e , em grande medida de Portugal (na altura designado de Metrópole).
Lembro-me, por exemplo, de andar dois anos a beber leite condensado e a pôr manteiga de lata no pão ou a comer queijo derretido, que nos chegava, também, enlatado.
Havia um barco, o "Timor", em gíria denominado "patas de aço" que arribava ao porto de Dili duas vezes por ano. Trazia tropas para rendição de contingentes e trazia géneros. De Portugal, de Angola e de Moçambique, onde escalava.
Azeite, batatas, vinho, cerveja, tabaco, arroz, massa e por aí fora, eram descarregados, nessa festa bianual que era a chegada do navio a Dili.
A vida, naquelas terras, dependia, em grande medida, desses abastecimentos.
Por isso, numa ocasião em que o barco, já bastante velho, avariou e esteve uns meses a reparar em Lisboa, as reservas alimentares começaram a escassear, de tal modo que, pouco a pouco, a comida disponível foi ficando cada vez mais limitada.
Começaram por desaparecer as batatas, depois o arroz (base essencial da dieta alimentar timorense) e quase tudo o mais. Cumulativamente, os poucos talhos que havia (penso que eram dois, um dos quais apenas servia militares, tendo apenas carne de búfalo e de porco) também foram ficando despejados.
A dado passo, só tínhamos, para comer, massa e salsichas. Mais nada.
Durante uns três ou quatro intermináveis dias, só massa e salsichas.
Imagine-se um bando de portugas, longe da terrinha, sem as indispensáveis batatinhas que faziam parte da nossa alimentação desde os primeiros dentes.
Na casa onde morava, com mais três camaradas, sonhava-se noite e dia com o tal apetecido tubérculo.
Até que um dia, o Marcelo chegou, esbaforido e rejubilante:
-É malta, o Mye Hap tem batatas!
Era um restaurante chinês (como era quase todo o comércio nessa altura) onde se ia poucas vezes, quando se queria comemorar algo.
Quase em uníssono, todos gritámos:
-Vamos lá jantar!
Fomos o mais cedo possível. No entanto, metade da guarnição militar, tivera a mesma ideia. Estava o restaurante cheio, de modo que tivemos de aguardar vaga, durante largos minutos, o que, dantes nunca tinha acontecido.
Quando, finalmente chegou a nossoa vez, o empregado perguntou-nos o que queríamos comer.E nós, novamente a uma só voz:
-Batatas!
E o atónito empregado:
-Mas... Batatas, com quê?
- Ó pá! Com o que tu quiseres! Traz mas é batatas, porque o resto não interessa.
Devem ter sido as batatas que mais saboreámos até hoje.
Seguramente que lagosta não nos teria sabido melhor...

1 comentário:

Andreia disse...

LOL!

E eu que às vezes enjoo batatas de tanta vez que como!