Na edição de domingo do Público, aparece uma extensa reportagem, sobre a recente viagem a Moçambique do primeiro ministro para assinar o acordo de transferência de Cahora Bassa para aquele país.
Com José Sócrates viajaram alguns membros do governo, um ou outro convidade e 20 jornalistas.
Transcrevo algumas passagens:
"O interior do avião parecia um hotel de luxo, com enormes poltronas em pele, acabamentos em madeira e espaço para exercitar as pernas. Na cabine dianteira, destinada aos membros do Governo e a convidados da administração da barragem de Cahora Bassa, sobressaiam os mármores e uma espécie de salão, candeeiro com abat-jour, sofá em "L" e mesa comprida."
E, mais adiante:
"...- jornalistas e outros convidados beberricavam champanhe Dom Pérignon e sumos naturais, almofadados por canapés de espargos verdes".
O Primeiro-Ministro, de acordo com a reportagem, circulou pelo avião, falando com os jornalistas.
Mas, :
"Em momento algum o primeiro ministro permite intimidade excessiva ou arrisca vocabulário de café. Por outro lado, o tema da conversa cinge-se, quase sempre, à governação.
A razão para esta cautela é simples. José Sócrates desconfia absolutamente da forma como os jornais o tratam: teme a construção de títulos venenosos e manipuladores, teme o uso de frases fora do contexto; gosta de ter um guião, sabe que a criatividade dos políticos pode ser a sua sentença de morte. Gosta de ter o domínio total da análise do encadeamento dos argumentos, da elequência".
Esta reportagem permite a um anónimo e vulgar cidadão algumas reflexões.
Em primeiro lugar, quando se pede à maioria dos portugueses, sacrifícios e contenção, há uma viagem que, mesmo a acreditar não ser paga directamente pelo governo (note-se que esta barragem já custou aos contribuintes portugueses muito dinheiro), decorre em ambiente requintado e luxuoso. Onde está, afinal o exemplo, mesmo que apenas simbólico?
Por outro lado, ressalta a ideia que José Sócrates é uma máquina política, devidamente programada, que trabalha em ambientes formatados, controlados.
Por exemplo, durante a referida viagem, lançou mais uma farpa mentirosa para com os professores. Depois de há dias ter anunciado que os sindicatos tinham "finalmente reconhecido a justeza das posições do governo", o que nunca foi verdade, agora vem afirmar que "Com 50 anos, alguns trabalham 12 horas por semana". Ora, qualquer pessoa que trabalhe em educação sabe que, a partir daquela idade (tendo um determinado tempo de serviço) os docentes do ensino básico atingem o máximo da redução da componente lectiva (normalmente de 22 horas), passando, efectivamente, a 14 horas. E esta redução radica no facto indesmentível de os anos sucessivos deste tipo de actividade provocarem grande desgaste físico e psicológico . Mas, também como se sabe, o trabalho não se esgota nas actividades lectivas. E as reuniões? E a planificação de aulas? E a correcção de testes?E o atendimento de encarregados de educação? Do primeiro responsável pela governação exige-se, no mínimo, rigor e verdade. Por isso, esse número de 12 horas que foi atirado como sendo a duração total do trabalho semanal de um número considerável de professores,por não ser verdade, torna-se mais uma machadada na dignidade profissional de uma classe que, dia a dia, parece tornar-se num dos bodes-expiatórios preferidos, que se usam como desculpa para os males do país.
Mas o primeiro ministro diz estas coisas, não é contrariado, e a caravana passa...
Talvez seja por isso que, no"Prós e Contras " desta semana, na RTP pública, se vai discutir o Orçamento. E, por acaso, em quatro comentadores convidados, três são a favor daquele documento essencial da política governativa.
Parece, pois, prefigurar-se uma reedição do debate sobre educação, em que se assistiu a um quase beija-mão à ministra.
Ou seja, a máquina continua bem oleada.
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