quarta-feira, março 15, 2006

Histórias da tropa 2

Volto a uma das muitas recordações dos meus tempos de "serviço militar obrigatório".
Em tempos de guerra, toda a gente fazia os possíveis para se safar daquele pesadelo.
Uma das formas que alguns tentavam utilizar era tentar fazer-se passar por "avariado da mona". Quase sempre sem o menor sucesso.
No entanto, às vezes "pegava". Como aconteceu com o Fontes (nome fictício).
De facto, em Mafra, durante a recruta para o Curso de Oficiais Milicianos, tive oportunidade de acompanhar a brilhante actuação deste homem que, todos os dias inventava uma nova "maluquice" para juntar ao repertório.
Assim, quando descia para as formaturas, nas traseiras do secular convento que albergava, nessa altura, cerca de cinco mil militares, fazia-se anunciar por sonoras ladradelas... Já toda a gente sabia que era o Fontes que ali vinha.
Certa noite, durante uma instrução pela Tapada de Mafra, arreou as calças, e, em pleno movimento de progressão, simplesmente, aliviou os intestinos ...
Na carreira de tiro, berrava alto e bom som, que não suportava o barulho das espingardas.
Outra noite, regressando ao quertel já com uma grande "besana" em cima, e perante o Tenente que estava de serviço e a quem devia apresentar-se com todos aqueles rituais mecânicos que nos ensinaram, repetidamente, nos três primeiros dias de treino, saiu-se com esta:
- Vossa Excelência, minha tenência, dá-me licência, que eu entre, que eu penetre, nesta sua casa?
O oficial, que não era daqueles mais rígidos murmurou:
-Tirem-me daqui este bêbado antes que o tenha de lixar.
A actuação do Fontes, culminou com o Juramento de Bandeira. Aí, todos teríamos de estar em formatura, frente ao convento, durante mais de uma hora, perante as altas individualidades, que incluiam o Ministro do Exército. Pois, o Fontes ameaçou, pura e simplesmente, que, se o obrigassem a ir para a formatura, às tantas, se sentaria, porque padecia de... uma "hérnia testicular".
Pois bem: apesar de inicialmente os comandantes desvalorizarem a situação, repetindo que ele tinha de ir como os outros, o que é certo é que acabaram por resolver deixar o Fontes ir jurar bandeira no passeio, misturado com os médicos que, naquela altura, por serem muito necessários, eram incorporados de modo simplista: faziam uma recruta elementar de umas duas semanas, não ficando a saber minimamente as regras da tropa, designadamente marchar e manejar a arma.
Não fosso o diabo tecê-las...
Acabada a recruta perdi o Pontes de vista, mas vim mais tarde a saber, que, depois de diversas baixas ao Hospital Militar, foi dado como incapaz para a tropa.
E assim se safou da guerra colonial.

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