terça-feira, março 14, 2006

Há dois anos...


Partiste silenciosamente.
Tão silenciosamente como passaste pela vida.
Sofreste na carne e no pensamento, a violência que era a regra, nesse tempo em que o sibilante ditador tinha leis que subjugavam a mulher, impondo-lhe a resignação, a odediência, a humilhação, sem possibilidades de fuga.
Por isso a alegria quase infantil com que, ainda quase clandestinamente, acolheste os cravos de Abril.
Mas nem esses cravos te libertaram de todo.
Continuaste a ter que engolir palavras, sonhos, convicções.
Agarrando-te aos pequenos nadas que coloriam palidamente a tua existência. Como o eram o teu pequeno jardim, as tuas plantas, as tuas flores.
Já te disse que a última roseira que plantaste, ainda vive ali no meu jardim. E aquele vaso com a planta de que cuidavas todos os dias, com quem conversavas para ela ficar mais verde, ainda está ali, à entrada da minha porta. Só para fingir que ainda é um pouco de ti que tenho comigo.
Porque sei bem que partiste sem retorno.
Silenciosamente, sozinha na madrugada branca do grande hospital.
Faz hoje dois anos e ainda não me conformo, mãe.

Sem comentários: