A imagem que hoje vos mostro tem, também, já muitos anos.
Este timorense, provavelmente hoje já não será vivo.
O seu nome, singelo- João Baptista.
Fazia, como muitos outros, trabalhos domésticos para patrões portugueses que ali cumpriam serviço militar ou que trabalhavam na administração do território.
Este homem simples e ingénuo era de uma lealdade e de uma honestidade sem limites.
Aprendi com ele o pouco tetum que hoje já quase esqueci.Fazia, com ele, diariamente, as contas das compras para a casa, de que se encarregava escrupulosamente. Mesmo sendo analfabeto, sabia de cor todos os tostões que tinha gasto e nunca faltava dinheiro. Tudo certinho!
Soubemos construir uma amizade feita de coisas aparentemente correntes, sem muitas palavras.
Havia por lá quem criticasse a relação que, na casa onde vivíamos, eu e mais dois amigos, estabelecíamos com este empregado (lá eram designados por "mainatos" - termo que tinha um certo sentido pejorativo). Primeiro porque lhe pagávamos um bom bocado acima da média (mesmo assim, uma verba diminuta para a quantidade e qualidade do trabalho produzido). Depois, porque o tratávamos humanamente. Contra a voz corrente que afirmava coisas como "um mainato? trezentos paus por mês e muita porrada").
Quando me vim embora, foi a despedida que mais me custou fazer.
Pouco antes de apanhar o jipe que me levaria ao aeroporto, este homem meio envergonhado, abriu a mão, estendendo-me uma pequena bolsa de palha entrelaçada onde estava um pouco de tabaco timorense, dizendo:"Deus acompanhe o nosso alferes até à Metrópole".
Naquele momento senti algo explodir dentro de mim.
Nessa frase tão simples, mas que, para aquele homem também simples, significava tanto, estava um enorme mundo de afecto de que, se calhar, não fui inteiramente digno, durante os dois anos em que com ele convivi.
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