Um S. João diferente
Estávamos longe das ruas, praças e avenidas que seriam, mais uma vez, invadidas por um mar de gente ruidosa e feliz.
À distância de milhares de quilómetros ouvíamos, nitidamente, os gritos das rusgas, o trilar dos martelinhos, as cantigas repetidas pelas incansáveis gargantas. Sentíamos, mesmo, o cheiro típico daquela noite, misto de cravo e cidreira temperado pelo indispensável alho-porro.
Nós, "os do Porto", não podíamos, daquela vez, ir cedo para a cama. Estava assente, há muito tempo, que também nós teríamos a "grande festa".
Serpenteando por entre os troncos dos coqueiros, os fios com as coloridas bandeiras de papel. No meio do terreiro a fogueira, viva e palpitante, soltava, de quando em quando, faúlhas que eram os foguetes que não tínhamos podido comprar.
À falta de sardinhas, cuja recordação nos fazia crescer àgua na boca, o caldo verde fervia na panela e o chouriço assado enchia a noite e a nossa imaginação.
No gravador, com o som bem aberto, as músicas do António Mafra ecoavam na calma tropical, acordando os pássaros que, espavoridos, fugiam. De longe, ficavam a contemplar toda aquela estranha movimentação.
De quando em quando, na estrada, um timorense parava e olhava-nos com um sorriso espantado, não compreendendo a razão de ser daquela festa inesperada.
Não imaginava como era importante para nós, do outro lado da Terra, vivermos também a nossa noite de S. João.
António Peciscas, 1985
(evocando uma noite de S.João em Timor, 1973)
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