quinta-feira, fevereiro 17, 2005

UMA PEQUENA ESTATUETA, QUE SALVEI DO LIXO


Vivi em Timor dois anos,de 72 a 74. Numa altura em que pouca gente sabia onde ficava essa terra ("que o sol, em nascendo vê primeiro", dizia Camões).
Dois anos que ficam definitivamente agarrados à minha pele, à minha memória.
Agora, Timor já passou a constar do mapa. Muita gente já sabe onde é.
Dessa terra, trago histórias, documentos. imagens, pessoas Que, de vez em quando, por aqui passarão.

Hoje, recordarei uma pequena estatueta.Que recolhi de um caixote que, num canto de uma repartição militar, acumulava restos de uma exposição, e cujo destino era ... o lixo.
Essa exposição tinha sido organizada com materiais elaborados pelos alunos das escolas que o Exército mantinha em zonas mais isoladas das montanhas timorenses.
Eram escolas incipientes, onde os professores, soldados, quantas vezes apenas com a quarta classe, se disponibilizavam a ensinar as primeiras letras a esses jovens.
A estatueta iria perder-se. Mas, achei-a preciosa. Por vários motivos. Não só porque era bela, na sua ingenuidade infantil, mas também porque era um documento vivo.


Ao observar melhor a pequena obra de arte, verifiquei que o jovem artista tinha utilizado um pedaço de madeira que, provavelmente seria um desperdício qualquer, já que tinha um orifício interior que atravessava toda a escultura, que, afinal, representava uma mulher timorense.
Num recanto da base, escrito em letra tosca o nome do autor da peça - Clarimundo.




Nunca soube quem era este Clarimundo. Se ainda é vivo, ou se foi um dos muitos milhares que a chacina liquidou.

Só sei que que um momento da vida de alguém que sonhou, um dia, uma obra e que a concretizou, irá permanecer.
Sinto-me bem por a ter salvo do lixo.

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