segunda-feira, janeiro 10, 2005

O ESPECTÁCULO DA DOR

A todas as horas nos estão a chegar imagens da catástrofe ocorrida no sudeste asiático. Impressionantes, horríveis, macabras. Adjectivos que circulam, inevitavelmente, em conjunto com as imagens.
No entanto, estando longe de sugerir um qualquer fundamentalismo censório que venha limitar a liberdade de informar (bem basta o que já bastou tempo de mais) venho propor uma reflexão sobre a intrusão na intimidade das pessoas que algumas dessas imagens e relatos representam.
Tenho para mim que o sofrimento e a dor são (ou deveriam ser) sentimentos demasiado íntimos para serem devassados, por vezes com o mórbido intuito de serem vendidos na praça pública. E isto acontece, convenhamos, porque há audiências que se comprazem em olhar estes espectáculos. Com um sentimento semelhante a quem vai a assistir a funerais, não por solidariedade com os familiares de quem partiu (que nesse momento vão ter que passar ou pela exposição ou pelo recalcamento da sua fragilidade emocional), mas apenas para apreciar os contornos da dor alheia .
Não nos esqueçamos que, num tempo em que quase tudo se compra e se vende, há a correr ao lado destas e doutras tragédias, indústrias montadas com dinheiro a circular. Estações de televisão a comprar vídeos amadores não só para serem transmitidos nas suas redes, como também, para serem revendidos e passarem centenas de vezes por esse mundo fora;fotografias que entram nas agências e cada vez que são publicadas rendem dividendos. E muito mais.
Já é tempo, convenhamos, de se estancar esse caudal de exibição de desgraças que, por si só, não vem resolver as questões que se colocam aos países cujas populações foram mais duramente atingidas.
A justificação de que tal exibição é capaz de despertar a solidariedade generalizada, não é suficientemente forte e sincera para que a aceitemos de modo inquestionável.
A verdadeira solidariedade, aquela que tem efeitos mais profundos e perduráveis, tem que nascer de uma nova forma de relacionamento entre pessoas, povos e ideias. O que terá de assentar numa tarefa educativa gigantesca em que temos de envolver as gerações de todo o mundo.

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